quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Uma bela manhã para comprar pães

Ele, suéter xadrez sobreuma camisa branca, de listras quase imperceptíveis. Uma calça de linho cinza grosso e um mocassim surrado, porém lustroso. Abaixo da careca manchada pela idade, óculos de grossas hastes e uma lente amarelada escondendo dois negros olhos que penduram bolsas d’água. Nas mãos o jornal da manhã e o caminhar de quem pensa e agora entende o sentido da vida.

Ela, de dobrinhas no rosto e boca murcha. Os longos fios brancos amarrados em coque e presos por grampos, como mamãe fazia para ir à missa. Sobre o corpo miúdo, já curvado pelo cansaço, a túnica florida e uma saia de corte reto que acaba onde começa a meia marrom, esticada até o alto para esconder as canelas brancas. Nos pés, o chinelinho de tira e nas mãos uma sacola de padaria que balança ao ritmo lento da caminhada.

- Se ela disse que ia ligá de novo, vamu esperá, uai.

Ele não respondeu. Ao fundo, o som do escapamento de uma moto se distancia.

- Será que eu botei o fejão de moio?

- Quando eu sai tava na água.

- Tem que bota – a fala entrecortada pela respiração – O Júlio só gosta de fejão novo. Diz ele que fejão véio tem gosto de barro.

Como de costume, ele confere a rua para atravessarem. Quando seguro, estica o braço à procura das mãozinhas enrugadas. Em segundo plano, um carro de cor prata dobra a esquina sem dar sinal de seta.

- Lembra da pracinha, bem? – respira. Aquela de Poços de Caldas. As criança miudinha brincava no parquinho e a gente tomava aquele sorvete... lembra, bem? – respira. Qual era o nome mesmo?

- Sensação, eu acho.

Uma buzina forte e um palavrão a duas quadras. Para atravessar novamente e chegar ao canteiro central da avenida, mãos dadas compartilhando os passos lentos.

- Ela falou se ia trazer as criança?

- E ela lá dexá de trazer? Do jeito que aquela mininada gosta do vô – olha para cima sorrindo para seu velho, com certo esforço. Sentia-o abatido naquela manhã – A casa hoje vai virá uma narquia que só – sorrindo.

Dessa vez ele não respondeu, seu olhar tinha se perdido num grupo de crianças que brincavam num ponto de ônibus, em Júlio que queria feijão novo, na filha que ficou de ligar, nos netos que poderiam estar mais perto. Deu por si já beirando o cruzamento e esticou o braço.

- Dá a mão, bem.

Ouve-se uma freada forte seguida de um baque seco.

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