sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Brevidades II

Angra dos Reis de José Cicero Tupinambá


Fez tanto silêncio quanto o chinelo pôde. Aproximando-se como quem se aproxima de um bicho, a senhorinha de pano na cabeça espreitou o noticioso debruçado na mesa do café. Puxou a cadeira sem arrastar e sentou de canto, olhos apertados na letra. Rastreou com o dedo até encontrar aquela que parecia mais amigável. “Agá – ooo”. Dedando, letra por letra, sussurrava. “H com O dá HO, com M... com M dá HOM”. Sentou por inteiro e buscou ajuda no dedo esquerdo. “C... com I...“ Apertou ainda mais os olhos e a distância para o jornal do patrão. “D com I...” respirou “DI... HO-MI-CI-DI-O... Nossa! Que perigo!”.

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Falta o fio comprido ao travesseiro. O traço fino no espelho embaçado. Falta o querer quaresma em fevereiro, num sussurro mordido aqui do lado. Dessa falta toda eu já sou parte, do segredo que é, em si, inteiro. E por inteiro, que é, esse segredo, faz da falta toda só metade. Metade, dois terços, corpo inteiro. De uma falta que é, talvez, saudade. De repente sou fio ao travesseiro, a espiar traço fino e embaçado. Sou querer qualquer coisa em fevereiro, desde que seja do seu lado.

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Carbolitium duas vezes ao dia, mastigo no almoço com papinha. Quando ele chora, às vezes, é Orotato e mamadeira. O primeiro é pra mim, o segundo, às vezes. Isso quando não me tranco no banheiro, uma hora ele para. Ou não, vai chorar para o resto da vida. Dizem que felicidade é a licença, mas maternidade só rima com felicidade na palavra mesmo. E mesmo o pós-parto tem amigos, conheci o Anafranil essa semana. Sou eu que como ele. O Equilid pode provocar aumento de peso. Em mim, não nele, que não para de chorar. Deve ter medo de ficar gordo. Posso afoga-lo na banheira para que não corra esse risco.

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É claro que te acho linda. Se achar não basta, eu vejo isso. E quando ver se torna pouco, fecho os olhos - o olho engana, não quer dizer o que eu penso. Contrario o que vejo pensando no que acho. E te encontro. Cabelos soltos, meia colorida. E pra ganhar teu riso, me apego ao que tenho: essa bossa que não é tão nova, donde empresto palavras bonitas. Pois é, elas não são minhas. E mesmo que fossem, não diria, guardaria para um sussurro. Quem sabe, num fim de tarde em Itapuã.

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*Brevidades é uma reunião de microcontos, recortes crônicos de poucas linhas.

**José Cicero Tupinambá é estudante de Belas Artes na Universidade Federal do Rio de Janeiro e desenha à mão livre desde criança.  Faz pinturas e desenhos de paisagens, retratos, modelo vivo e natureza morta, utilizando várias técnicas.Mais sobre o belo trabalho dele em seu blog.

sábado, 24 de setembro de 2011

Picanha com coração brasileiro*

Foto: Doulgas Marçal
Da série de matérias sobre o "Festival Prato de Butiquim", publicada no jornal O Diário e no portal odiario.com no dia 18 de setembro. 

O que esperar de um coração brasileiro? Se a resposta for cerveja gelada, música descontraída e comida à vontade, o restaurante e petiscaria Coração Brasileiro faz jus ao nome. Quem visitá-lo, ainda pode provar a Picanha ao Alho Shoyu, especialidade que vai representar a casa no Festival Prato de Butiquim, realizado de 1 a 20 de novembro em Maringá.


Maria Heloisa Caramaschi, gerente do Coração Brasileiro, acredita que a diferença que vai conquistar o júri técnico está no preparo da carne. "A picanha descansa em alho e vinho branco para realçar o sabor". A peça, já marinada, é selada ao fogo "por pouco tempo, o suficiente para fechar as fibras da carne, mantê-la macia no corte e suculenta na boca", completa. Antes de ir à mesa, o prato é regado a shoyu e ganha a companhia de farofa, vinagrete e pão. Serve até duas pessoas.


Dona Helô, como é chamada, está se formando em gastronomia, mas quem toma conta da cozinha é a Dona Jô, Josefina Silveira, no batismo. Cozinheira nata de sorriso pronto, a senhorinha trabalha no restaurante desde a inauguração, em 2007. "Coloquei uma placa e esperei as candidatas. Quando conversei com ela a primeira vez, vi que era a pessoa certa", lembra Helô.

A dupla mistura talento e inovação para servir cerca de 150 almoços por dia. Para o gastrólogo e chef internacional Isaac de Oliveira, a química entre Dona Jô e Dona Helô é o que faz o sucesso de um bom prato. "Na cozinha é 50% de talento e 50% de técnica". Apesar de a mistura entre alta e baixa gastronomia ser delicada, o gastrólogo diz acreditar numa receita básica, "A gente come em três etapas: primeiro com os olhos, depois com o nariz e por último com o paladar. Essa mistura entre experiência e conhecimento só tem a somar".


Além de boa comida, o que faz pulsar o Coração Brasileiro é a música. Reduto do "melhor pagode de Maringá", como faz questão de destacar dona Helô, a casa já teve rock e sertanejo. "No início, a ideia era ter um ritmo por dia, mas o pagode foi ficando famoso e agora todas as noites tem que ter". A noite do Coração é comandada por Breno Caramaschi, dono do estabelecimento e filho de dona Helô. Para os mais tímidos, e, principalmente, as mais tímidas, a casa tem um professor de dança que garante a diversão.


"Já chegamos a ter fila de quase 100 pessoas esperando para entrar", lembra Dona Helô. Para não correr mais esse risco, a casa está ampliando a estrutura. Com a reforma, o restaurante deve contar com mezanino e espaço para mais 200 pessoas, "sem deixar de atender nem um dia", reforça a proprietária, afinal, o Coração não pode parar.



Em novembro
A Picanha ao Alho Shoyu do Coração Brasileiro concorre na categoria Melhor Prato no Festival Prato de Butiquim, que acontece de 1 a 20 de
novembro em Maringá

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Brevidades*



Pra começar, a tela branca te encara questionando sua habilidade. O cursor pisca gritando que não saiu do lugar. Formata para a letra que mais te agrada. Respira. A cadeira não está confortável e nesse momento: nada, pode, te atrapalhar.  Acomoda-se e respira de novo, tirando as mãos do teclado. Precisa de uma poltrona. As Casas Bahia estão com uma promoção... Concentra! Olha, o quadro está torto. Volta para a tela. Precisa de um café. Estica as pernas até a cozinha. Volta com a caneca manchada, o vapor cheiroso e a espuminha dourada. Arruma o quadro, senta na cadeira que não é poltrona, olha para os gritos do cursor na tela branca e respira no vapor do café. Pra começar...

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Ela não sorri mais. Só olha pra baixo e parece com medo. “Infarto é muito comum, acontece com todo mundo”, foi o que eu disse, não sei se ajudou muito. Acho que faltou um abraço, mas não dá pra fazer isso aqui na empresa. Ela nem riu da piada do computador. Ajudou na vaquinha, mas não tomou coca-cola. Beliscou um pouco do salgadinho. Às vezes ela fica mais de quinze minutos no banheiro, deve estar chorando. Perder o pai assim também, né? É tenso. Nem sei o que eu faria se perdesse o meu. Ela tá bem pra baixo, eles deveriam ver isso, dar uma folga, sei lá. Não que ela fosse animada, mas ria de algumas piadas. Não gostava dela, mas agora to sentindo uma pena. Vou ligar para o meu pai hoje à noite.

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E disse a empregada à patroa enquanto casavam as apostas:
- Ai mais se nóis ganha eu vo dá um churrascão, e vo compra uninho vermelho pra minha menina
- O que você vai querer com um uno vermelho, Val? Nós vamos ser milionárias!
- É verdade! Vo compra um amarelo tamém.

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Foi sem querer, mas eu percebi quando ela olhou. Porque eu fui tropeçar no corredor? O pior foi o cara de bobo. Deixa pra lá, fiquei sabendo que ela curte Bob Dylan e toca violão. Não é muito comum achar alguém assim hoje em dia. Ontem ouvi ela cantarolando um pedaço de Blowing in the Wind. É meio melosa, mas eu gosto. E ela falou da lua quando eu tava olhando. Também gosto de admirar a lua. Daqui dá pra ver como ela fica linda quando escurece. O laranja perto dos prédios e o anil tingindo aos poucos o que era dia. Interessante como de um tempo pra cá vem ficando mais bonito. Porque eu to tremendo?  


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*Brevidades é uma reunião de microcontos, recortes crônicos de poucas linhas.

**Adams Carvalho trabalha com ilustrações, animações e pinturas. Conheça mais do brilhante trabalho desse artista plástico no seu blog. Clique aqui.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Bolinhos que arrebatam*

Foto: Douglas Marçal
Da série de matérias sobre o "Festival Prato de Butiquim", publicada no jornal O Diário e no portal odiario.com no dia 15 de setembro.

Na cozinha da Taberna Portuguesa se misturam uns punhados de tradição, muitos anos de experiência, doses caprichadas de respeito às origens e uma pitada de inovação. A receita para o restaurante atravessar gerações é simples, e o concorrente a melhor petisco no Festival Prato de Butiquim não poderia ser outro senão o já tradicional, bolinho de bacalhau.

O petisco, que carrega o sabor mais característico da cultura lusitana, é preparado pelas mãos de dona Neuza Câmara há quase trinta anos. Rodrigo Câmara de Souza, neto de dona Neuza, diz que a receita segue o modelo tradicional, com uma diferença. 

“A massa leva azeite, bacalhau e batata, mas não colocamos farinha, como as outras. Quando o alimento é empanado a farinha acaba mascarando o sabor do bacalhau”. Souza, que aprendeu a cozinhar com a avó, diz que o ponto da massa é o “grande segredo da casa”.

Formado em gastronomia há dois anos, o neto da família está cursando pós-graduação em administração para continuar tocando o negócio. E se em muitas famílias a tradição é pouco levada a sério, na Taberna Portuguesa isso já está bem resolvido.

“Eu praticamente nasci nessa cozinha, dormia em baixo da mesa e ajudava a lavar copos quando precisava”, lembra Souza. Com o neto, o restaurante chega à sua terceira geração para orgulho do patriarca da família, o seo Manuel Câmara.

Quando veio para o Brasil, em meados do século passado, o português, então com 18 anos, trazia muito mais que um sotaque inconfundível. O apego de seo Manuel às origens sempre o manteve próximo das comunidades lusitanas, primeiro no interior de São Paulo, depois em Maringá, quando veio e participou da fundação do Centro Português, há quase 50 anos.

Filha do seo Manuel e mãe de Rodrigo, Solange Câmara de Souza lembra que foi nessa época que dona Neuza aprendeu os detalhes da culinária lusitana e passou a cozinhar para o centro. “Toda sexta-feira tinha bolinho de bacalhau em casa. Em pouco tempo tivemos que organizar quem ia comer em casa e em qual dia”.
 
Da cozinha caseira para um restaurante próprio foi rápido, e agora dona Neuza e suas “meninas” – como chama as funcionárias – cuidam do almoço e jantar dos clientes da Taberna, “além das vezes que trabalham como voluntárias na Festa das Nações, servindo bacalhau a preço de custo”, completa Solange.

Quem visitar a Taberna Portuguesa para provar dos tradicionais bolinhos de bacalhau que concorrem no festival, ainda terá uma carta de vinhos do porto à disposição, escolhidos a dedo pelo seo Manuel.

Box:
O bolinho de bacalhau da Taberna Portuguesa concorre ao prêmio de “Melhor Petisco”. O “Festival Prato de Butiquim” será realizado de 01 a 20 de novembro e teve 41 estabelecimentos inscritos.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Alcatrão do Pedrinho*


Imagine um corte de quase um quilo de alcatra, picanha, maminha e filé mignon, grelhado no ponto em que você pedir e acompanhado de fritas, maionese, mandioca cozida, farofa, vinagrete, pão, pasta de alho e salada de tomate com cebolas. Perdeu o fôlego? O alcatrão, além de prato principal que dá nome ao restaurante, é também o concorrente da casa no Festival Prato de Butiquim, que será realizado de 1 a 20 de novembro em Maringá.


Segundo Pedro Barberi Jankowski, dono do restaurante, o combinado serve em média três pessoas. "Mas três pessoas normais. Se for alguém que come bem, como eu, o prato serve dois", avisa Pedrinho, como é chamado pelos clientes da casa.
Grupos de mulheres que frequentam o restaurante chegam a dividir o alcatrão em quatro ou até cinco pessoas. "Essa opção, que acompanha fritas, é ideal para uma família", diz o proprietário.


O corte, apontado por Pedrinho como grande diferencial do prato, é uma exclusividade do Alcatrão. "Foram mais ou menos seis meses trabalhando com um açougue especial até acertarmos o ponto", conta. Segundo ele, houve todo um cuidado para que as peças mantivessem o sabor nos quatro tipos de carne. Comum na região de Ponta Grossa e em cidades de Santa Catarina, o alcatrão veio para Maringá como novidade, junto com a casa homônima, em outubro do ano passado.


Quem for ao Alcatrão será recepcionado por Pedrinho ou por sua esposa Ana Carolina Costa Musse, que diz fazer questão desse atendimento. "Essa proximidade valoriza mais o prato. Com o tempo, dá pra saber o que cada um gosta e como prefere a carne". O clima caseiro também está no preparo dos pratos, que são feitos um a um, assim que o cliente faz o pedido. "É simples, mas é saboroso. A gente faz como se estivesse fazendo em casa mesmo". Em dias de grande movimento, os dois já chegaram a servir 30 combinados de alcatrão com acompanhamentos.


Para ajudar a abrir o apetite, Pedrinho diz, sorrindo, que garante a cerveja "trincando" a qualquer hora do almoço. E se o cliente procurar, ainda tem à disposição quatro rótulos importados, como a cerveja Patrícia - uma lager comercial seca que harmoniza bem com carnes, como o alcatrão - além das marcas premium e os rótulos tradicionais.



Molhe o verbo
Av. Juscelino Kubitschek, 580. Terça a sexta, das 17h30 às 23h; sábado, das 11h às 23h; domingo, das 11h às 14h30

*Da série de matérias sobre o Festival Prato de Butiquim. Publicada no jornal O Diário no dia 01 de setembro