sexta-feira, 29 de abril de 2011

Um brinde aos raios de sol ou Das andanças que o trouxeram aqui


“Encheu-se-lhe a fantasia de tudo que achava nos livros, assim de encantamento, como pendências, batalhas, desafios, feridas, requebros, amores, tormentas e disparates impossíveis, e assentou-se-lhe de tal modo na imaginação ser verdade toda aquela máquina de sonhadas invenções que lia, que para ele não havia história mais certa no mundo.”
Dom Quixote de la Mancha.



Quando o andante não mais anda, sente a falta que faz a brisa. Sentado sobre os pedaços da antiga armadura, agora calcula um sem número de motivos que o trouxeram àquela sombra. Não era mais zelo, nem calmaria. Não seria porto de qualquer que fosse a partida. Só ossos, ócio, destroços.

Num passo a água fria. Não era a coragem, irmã de empreitada, que indicava o caminho, sim um instinto quase animal de perseverança. Tinha de. Segundo passo, terceiro, quarto. Na superfície da dúvida, caminhava, tendo o céu, escuro dos últimos anos, como única testemunha de sua incerteza.

A realidade que engole, o pessimismo que abraça, um sorriso que afoga. Os pedaços do que já foi flutuam mostrando serem mais que pedaços. Aquele som de flautas ficou na sombra. Nem o frio daquele deserto de águas onde estava submerso fazia sentido, mas lembrou. “A razão da sem-razão que à minha razão se faz, de tal maneira a minha razão enfraquece, que com razão me queixo da vossa formosura”. E sorriu para Doroteia.

O que seria, então, a felicidade de alguém senão o eterno desafio, o frio na barriga, a chance de dar certo? Encontrar, de uma vez por todas, o caminho para casa, mesmo que a casa seja lugar algum. A procura torna-se, então, a alvorada de cores naquele céu de tempestade.

Poderia ser destroços, uma mão estendida ou um simples raio de sol. O sopro que devolve o fôlego também empresta dúvida, e dela, andante nenhum afraquece.

Um brinde aos raios de sol, ou, como diria uma amiga, à exposição a eles, tintin.