quinta-feira, 29 de abril de 2010

Usar ou não usar se é proibido conjugar?

Crônica publicada no jornal Matéria Prima - 22/04/2010
Quando o sinal toca as duas logo se encontram e, de braços dados, colocam a fofoca em dia. É piadinha da aula de química, a história da Ju com o Marquinhos e a conversa que tiveram com Fernandinho no intervalo, esta última sob suspiros e gritinhos de histeria.
Percorrem o pátio de nariz empinado, tentando não dar bola para os garotos que esperavam no portão.

- Eles só sabem falar “gostosa”? - pergunta a loirinha, arrumando o decote.

- Pelo menos eles não chamam de “meu anjo”, igual o velho da cantina.

Distraídas com a piada, atravessam a rua sem nem perceber a olhada do guarda de trânsito, que controlava o fluxo na frente da escola. O caminho até a casa das duas não é tão longo e àquela hora do dia podiam andar sem medo.
Chegando à outra esquina, a morena para e chama a atenção da amiga para uma banca. Nnuma das manchetes lia-se: “Pulseirinhas do sexo são proibidas nas escolas municipais”.

- Que absurdo! O Bruno vai descobrir que o pai é o ex da Helena! – e aponta para a revista de fofocas que estava ao lado da Playboy.

- Não acredito... será que ele vai continuar com ela?

Teorizando sobre os possíveis desdobramentos da trama, nem percebem quando passam à frente de uma loja de eletrodomésticos que exibia um programa nas dezenas de TVs expostas. Nele, um repórter renomado faz um debate com psicólogos e educadores sobre as “pulseirinhas do sexo e o futuro da humanidade”.

Param numa vitrine de bijuterias, depois num bar perto de casa e pegam duas H²0. “Porque Coca-cola dá celulite”.

- Não gosto de passar por aqui, esses velhos cachaceiros acham que tão abafando – diz, olhando os cartazes de cerveja da Juliana Paes.

- Ah amiga, ignora... – ambas fecham a cara e não dão ouvidos às cantadas de mau gosto de alguns. Os outros do bar se envolviam numa calorosa discussão sobre o campeonato paulista.

Elas resolvem almoçar juntas para terminar um trabalho da escola. Ao chegarem em casa a mãe às recebe com a “Istoé” nas mãos.

- Maria Eduarda, deixa-me ver isso no seu braço!
- Que foi mãe?
- São aquelas pulseiras Marina Eduarda?! Eu vi aqui que isso tem conotação sexual, Maria Eduarda?! Tem menina que já foi estuprada por causa disso, Maria Eduarda!
- Ah mãe, me deixa! Que saco!
– as duas desviam da mulher, que continua a gritar da cozinha. No quarto, atiram as bolsas sobre a cama e correm para o computador.

- Que drama, eu nem curtia essa coisa mesmo – diz uma delas, jogando as pulseiras coloridas no armário.

- Deixa ela. Entra no meu msn, as meninas falaram que o Fernandinho fica sem camisa na webcam!

sábado, 24 de abril de 2010

Fim do monopólio?

A Câmara dos vereadores de Maringá foi notificada esta semana sobre a inconstitucionalidade da emenda que garantia a prorrogação automática do contrato com a empresa de transportes públicos, a TCCC. O artigo polêmico, aprovado na gestão de Jairo Bigode Gianotto, dava o direito de renovação do contrato de concessão desde que a empresa contratada cumprisse com todas as obrigações assumidas. Seria criado um termo aditivo ao contrato original com as razões da permanência da empresa prestadora na execução do serviço.

Não entendo muito sobre licitações, mas sei que concorrência gera disputa, queda de preço e aumento na qualidade do serviço oferecido. É necessário às empresas que disputam, oferecer o melhor produto por um valor no mínimo razoável e que cumpra às especificações requeridas. Logo, se não há o processo, perdemos todo esse potencial comparativo, e viramos passageiros da boa vontade do monopólio.

Se bem que a atual gestão não leva muita sorte com esse tal processo licitatório. Nos últimos meses os casos de superfaturamento no preço dos materiais de construção para as obras da prefeitura e na mistura para merenda escolar deixou clara a deficiência que a galera do Silvio Motosserra (sem hífen?) Barros tem em controlar isso. E quando a coisa aperta e o Observatório denuncia, um joga para o outro e os vereadores dizem que não é papel deles fiscalizar.

Se não é deles, de quem será?

Outro ponto também coloca em cheque a licitação que será aberta para a exploração do serviço de transporte público em Maringá: a força política e econômica que tem a atual exploradora, que, para continuar a trabalhar na cidade, vai utilizar toda sua influência. Política, claro.

Enfim, resta-nos sentar e esperar chegar o ponto certo. Quem não quiser, que puxe a cordinha.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Sobra a "arte" de comprar camisinhas

Crônica publicada no Jornal Matéria Prima - 22/04/2010Esperou a mãe sair de casa e contou mais dez minutos. Depois juntou uma nota de um real amassada, duas moedas de vinte e cinco centavos que recebeu de troco no ônibus e fechou o portão com cuidado para não chamar atenção. Não é porque ele ia comprar camisinhas que todo mundo precisaria ficar sabendo.

Dessa vez seguiu até a avenida. Lá teria alguma farmácia que ainda não visitara. Uma das regras essenciais na “arte” de comprar camisinhas é nunca repetir o estabelecimento. Se você for duas vezes ao mesmo lugar o atendente pode calcular a frequência das suas relações e você corre perigo de ouvir um “E ai parceiro, vamos levar uma de morango pra esta semana?”.

Por sorte encontrou uma porta pequena, com meia dúzia de prateleiras e uma balconista feiosa, acima de qualquer suspeita. Seus amigos sempre o aconselharam a escolher as farmácias. Comprar em mercado é furada, não adianta tentar esconder no meio das bolachas que certamente a operadora de caixa vai notar e disparar um risinho insinuante. Isso quando não gritam no meio de todos: “Valdenice! Quanto tá a Confort Plus de efeito retardante?”. Essas balconistas de supermercado não têm mesmo um pingo de sensibilidade.

Entrou sem olhar para os lados, tinha de mostrar naturalidade. Percorreu a prateleira de fraldas e a conveniência, depois disfarçou uma olhadela para o lado oposto onde estavam os artigos masculinos e viu os coloridos pacotinhos pendurados próximos à balança.

Para muitos seria simples: pegar, pagar e sair. Um mais abusado encheria uma sacola, cantaria a atendente e ainda perguntaria se não vendem tamanho GG. Mas ele não era disso. Tímido, uma vez escolheu um posto de combustíveis supondo ser mais fácil. Pagou o dobro e ainda saiu por caminhoneiro tarado. Mas essas coisas acontecem, é tudo uma questão de prática.

O que ele não sabia era qual escolher. A opção pelo sabor e/ou efeito da camisinha poderia dizer muito sobre sua personalidade e ele não estava a fim de expor detalhes tão íntimos para todos daquela loja. O que pensariam, por exemplo, se ele escolhesse uma “Hot Sensation com bolinhas explosivas?”. Para não despertar – ainda mais – suspeitas, pegou a tradicional, mas ficou curioso para saber como seriam as tais bolinhas.

Outra regra primordial é que um homem nunca deve comprar camisinhas acompanhado. Se for com a namorada todos vão olhar com aquela cara de “eu sei o que vocês vão fazer hoje à noite, safadinhos!” E se estiver com um amigo a atendente vai lançar o clássico “vocês estão juntos?” e achar que fez a piada do século.

Seguiu até o balcão fazendo o maior esforço para esconder a bendita. Por “sorte”, aquele parecia ser o horário escolhido por todos seus conhecidos do bairro para pagar a conta de água e luz. Pior que esperar na fila é quando vem um solícito vendedor tomando o pacote sob o pretexto de “colocar numa sacolinha”. O garoto respirou fundo e contou até dez, só não esperava a voz esganiçada da infeliz balconista feiosa:

- Ô Claudinei, de quem é a camisinha?
- Do menino de boné laranja e blusa verde, no final da fila. Cobra R$ 1,35.
- Ô menino, pode passar na frente... Ô menino! Menino! Cadê o moleque, Claudinei?!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Entre médicos e homens

Crônica publicada no Jornal Matéria Prima - 12/04/2010

No corredor de qualquer hospital, em uma cidade como tantas outras, meia dúzia de doentes aguarda atendimento, sentada no banco de madeira que se estende por toda a parede. A porta se abre e dela surgem médico e paciente:

- A senhora passa na farmácia ali na frente e entrega esta receita. É só tomar de oito em oito horas, ok? – e ao ver um amigo, também médico, aparecendo no corredor

– Ô Mesquita, dá um pulinho aqui, por favor?

Os dois se cumprimentam, animados, e a porta fecha, sem satisfações.

- E aí, Mesquita? O que achou da manchete? – o primeiro médico aponta para o jornal que estava sobre a mesa, como um troféu.

- Muito bom, quase um paladino da Justiça. Gostei desse seu penteado.

- Alguém tem que brigar pela honra dessa classe!
– e os dois riem, um encostado à mesa e o outro servindo-se na cafeteira.

Do lado de fora da sala, na fila de espera, uma mulher, aparentando 50 anos, tira o pano manchado que enrolava o cabelo e começa a se abanar:

- Calor, né? – pergunta para quem quiser ouvir e embalar uma prosa.

- Tá mesmo – responde um homem de meia idade e olhos fundos – dá nem pra dormir num calorão desses – o rosto pálido contrasta com as grandes olheiras.

- O ônibus que eu vim tava um forno.

- O meu também. A senhora viu que vai subir o passe?
– observa o espanto da mulher e continua – e o prefeito falou que ia baixar... mas o Lula tá fazendo uma lei pra aumentar o salário mínimo. Diz que vai chegar a quinhentos e pouco.

- Aí sim, vai dá até pra fazer um churrasquinho no fim de semana –
brinca, estampando no sorriso a falta de alguns dentes.

Na sala, os doutores são interrompidos por uma enfermeira:

- Posso chamar o próximo?

- Pede pra ele esperar cinco minutinhos.

- Ouve um pouco e fala que é virose
– diz o segundo, depois que a moça saiu.

- É bem isso. Esse povo adora uma consulta... – e como que despertando de um transe, volta ao sorriso e ao assunto – mas vê que absurdo, só de colégio para os meus filhos eu gasto cinco mil. Mais condomínio, carro e as contas normais. Com nove mil eu passo fome.

- E outra
– emenda o amigo – vamos falar sério, não estudei dez anos pra ganhar só isso.

- Só por ter passado pelo trote merecemos dez mil.


De volta ao corredor, o assunto entre os dois já tinha passado por todas as novelas e reality shows da TV.

- Médico é tão ocupado, né?

- É mesmo... tô preocupada com minha janta, deixei as crianças sozinhas.

- A senhora não tem medo de acontecer alguma coisa?

- Tenho não, lá no bairro é sossegado. A noite fica um pessoal na calçada, conversando, e a minha menina maior cuida dos pequenos –
ela olha para os lados à procura de outro assunto e emenda:

– Dizem que o doutor aí é bom.

- É mesmo?

- É... deu entrevista no jornal e tudo.

- Olha que sorte a nossa.


Na sala, o tema dos dois parecia que iria acabar. Mesquita, que tinha um paciente para atender na outra ala, já estava próximo à porta com a mão na maçaneta.

- Mas presta atenção no que o pessoal tá comentando, viu Mesquita? Todo mundo tá interessado nisso.

- Claro que tá, teve um pessoal falando em greve já – abriu a porta, desmanchou o sorriso e seguiu pelo corredor para voltar ao trabalho.

- Acho tão bonito esses homens de branco. Médico, dentista...
– diz a mulher, acompanhando-o com o olho.

- Eu também trabalho de branco, mas essa vida de pasteleiro não dá futuro. O jeito é trabalhar pra educar os filhos, né não? – e depois da resposta afirmativa da simpática senhora, ele arremata – meu menino sonha ser doutor, diz que quer salvar vidas.

Uma hora e quarenta e cinco minutos depois a porta se abre e a mulher é chamada para dentro do consultório.

- Ôpa, chegou a minha vez. Até que foi rápido hoje. Até mais.

- Boa sorte, dona.


Quatro minutos e trinta e oito segundos de exames. O médico volta para a mesa, rabisca uma receita e, sem levantar os olhos para o lado da paciente, sentencia:

- A senhora tem uma virose. É comum nessa época do ano. Volta pra casa, toma esses medicamentos e espera. Vai melhorar.