sábado, 5 de maio de 2012

Sétimo dia


Terminou o café que fez para dois e recolheu a outra xícara intacta. Levou até a pia, lavou-as com o mesmo cuidado de sempre e secou na toalha bordada que estava sobre o fogão. Correu entre os armários até a porta que separaram para a coleção de canecas e colocou as xícaras no canto que era só delas.

A luz pálida que atravessa a cozinha dá tom pastel aos móveis de cores escolhidas a dedo. Sobre a mesa uma toalha xadrez, um jarro meio vazio e uma margarida recém-trocada. Os sonhos e cuidados de uma vida que já foi teimavam em contrastar com o silêncio abafado daquela casa sem ela.

Abriu o armário pela terceira vez e jogou na cama mais uma camisa amassada. “Tem que passar a gola” ela dizia, “Você sempre esquece de passar a gola”. Escolheu a preta de flanela, sua preferida. “Não é um Johnny Cash, mas eu pego”, ela provocava rindo, esperando seus ciúmes.  Na parede do quarto, além de Cash, Dylan, Presley, Jagger, Lennon e até Ringo. Com o tempo ele aprendeu a não vê-los como inimigos.

“Foram dias ruins, meu amigo” disse ao cachorro que chamavam de Estopa. “Mas vai ficar tudo bem agora”. A luz de quase tarde se espreguiça no sofá da sala, alcançando o tapete como os braços de quem dorme. Na mesa de centro um dvd do Engenheiros e um livro de Bukowski. Escolheu o primeiro como companhia até que desse o horário marcado, em outros dias faria o contrário.

Nem um minuto a mais, vê Estopa o acompanhar até a porta e depois correr para a janela. Bate a porta do carro e acelera, levando a sensação de vazio que alimentou como um filho nos últimos dias. Chegou ao local marcado e acompanhou a marcha, nos outros rostos a mesma angústia refletida, o mesmo filho alimentado, os mesmos olhos no desespero da procura.

Respirou fundo e segurou como pode para não chorar feito criança no saguão do aeroporto. Podia se acalmar agora, seu sorriso estava de volta.