segunda-feira, 23 de maio de 2011

O menino do portão do lado

Não que a gente fosse grandes amigos. Apesar de vizinhos, nos víamos pouco, em momentos ensolarados de peleia com os guris do bairro. Ele um neguinho bom de bola, atacante matador e eu, sempre na zaga, gordinho que era. Aquela bola de capotão estourada, tijolos sinalizando as traves e tênis furado no dedão. Menos ele, jogava de pés no asfalto quente. “Com o tempo acostuma o pé cascudo”, dizia, sorrindo uma banguela carismática.

Na nossa rua o pessoal não era rico o bastante para ter computadores – naquela época, eles eram enormes e muito caros – mas sempre tínhamos um almoço especial no domingo. Lembro-me de, num desses, vê-lo do outro lado da rua jogando bola com um amigo imaginário, no lugar da bola, um bolinho de meia e sacolas que ele tinha feito e escondido de todo mundo. Aquela bola sumia quando chegava a turma.

Quando as férias acabavam a nossa peleia mudava de campo, da rua para as quadras do colégio, e nós precisávamos de outro artilheiro. “Eu estudo no outro colégio”, respondia sempre que perguntávamos. Apesar de nunca comentar, sempre estranhei os horários das aulas dele: quando eu voltava, ele já tava na rua, sujo de terra rolando sua bolinha de sacola.

Foi no natal daquele mesmo ano que uma coisa simples me marcou muito. Já era dia 26 e, sentados em frente à quitanda abarrotados de balas de mel, nós competíamos para ver quem tinha ganhado o melhor presente. Eu, orgulhoso, tentava convence-los de que o meu Super Nintendo era muito mais divertido que o cachorrinho de um dos meninos da rua de baixo. No meio da discussão, ele, que eu nem percebia, mas estava lá, disse tremendo os lábios. “Eu ganhei um cavalo”. Todos olharam. “O nome dele é Faísca”.

É obvio que rimos e rimos muito, onde já se viu um menino ganhar um cavalo? Mesmo sem acreditar, naquela noite me imaginei montado num belo alazão, cavalgando no sitio da minha avó com os cabelos ao vento, salvando donzelas... e adormeci.

Hoje, quase dez anos depois, voltando de um restaurante onde fui almoçar com colegas de trabalho, despertei desse sono quando numa das mais movimentadas avenidas da cidade, vi um negrinho magrelo a bordo de uma carroça açoitando o pobre cavalo. “Vamos, Faísca!” gritava, com a mesma banguela de outros tempos.

sábado, 7 de maio de 2011

Sobre amor e uma música do Engenheiros

Todo sábado, quando o ponteiro de horas chega no nove, a atendente simpática prepara a bandeja com dois cafés e um jornal do dia. Na melhor mesa da lanchonete ele senta sozinho, mas faz questão de que a cadeira frente á sua permanecesse intacta, assim como o café pedido para ela. Com o tempo, todos aprenderam a não contrariá-lo.

Mastigando as más notícias de uma manhã como qualquer outra e imerso nas risadas e conversas que vinham de todos os cantos, ajeita os óculos de aro grosso e, com certa dificuldade, leva o guardanapo à gota que manchava a gola pólo. Devolve o jornal ao ineditismo e, pela primeira vez no dia, desvia os olhos para o balcão.

Ao fazer daqueles costumes rotina dos outros, ganhava forma uma estatura de mármore, gentil e passiva aos dissabores e contratempos da lanchonete. Não respondia piadas, não pedia favores. Só ele e o vazio de uma cadeira a lhe fazer companhia.

Mas dessa vez, nesse sábado como qualquer outro, quando terminou seu café como sempre terminava, olhou para a porta e não para o balcão. E da porta onde todos saiam a todo o momento, viu entrar uma bela garota. Uma bela garota de franja castanha que quase lhe cobria os olhos. Olhos que ele já tinha visto em um dos seus livros preferidos.

Ela sentou-se ao balcão, pediu um suco qualquer e ele, como nunca tinha feito, perseguia seus lábios decifrando palavra por palavra. Conhecia o jeito com que arrumava o cabelo e a forma que balança os pés suspensos. Previa seus gestos e o que faria no próximo segundo. Mesmo longe, ouvia sua voz. Conhecia de uma das suas músicas preferidas.

E quando ela terminou o suco e, com cuidado, ajeitou o vestido para se retirar, ele sentiu bater no peito uma angústia que nunca havia sentido. Sentiu percorrer o corpo uma inquietação que parecia não ser sua. Tremia, ofegava. Antes que aquilo o consumisse, colocou todas as forças nos braços para que a cadeira de rodas andasse. Uma força que não tinha. Abandonou a mesa e venceu metro por metro. Queria correr e alcança-la, queria dizer o que tinha ensaiado todo esse tempo. Queria dizer onde esteve todo esse tempo. Mas ela chegou à porta e sua única alternativa foi gritar. Um grito doído, monossilábico. O único som que a paralisia que adquirira quando criança o deixava emitir.

E naquele momento ela parou, os atendentes pararam de atender, os lavadores pararam de lavar e os amigos interromperam suas conversas. Aos poucos o silêncio virou plateia de um cadeirante paralítico que se arrastava até a porta. Eles viam seus braços tremendo de esforço. Eles viam sua boca ensaiando murmúrios. Eles viam um braço esticado para alguém invisível.

Mas para ele, ela estava lá. Linda com aquele sorriso que lia nos livros. Aqueles olhos traduzidos em literatura. Seu vestidinho rodado e a franja que fazia dela a personificação da sua poesia preferida. Tão próximos como nunca haviam estado, esticou seu braço e, nas mãos, o bilhete que guardou por tanto tempo: “Quer tomar café comigo?”.

"Tudo bem... Até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento
Muito prazer... Ao seu dispor
Se for por amor às causas perdidas
Por amor às causas perdidas"

terça-feira, 3 de maio de 2011

Formação técnica tem boas perspectivas

Investir em meio ambiente passou a ser uma boa oportunidade, tanto para funcionário quanto para empresas da região

Valdecir Leonardi, 42, caminha pelo corredor principal do Hospital Universitário de Maringá (HUM) apontando um galpão anexo onde será instalada a futura usina de tratamento de resíduos sólidos. A formação de Técnico Ambiental adquirida em um curso profissionalizante o capacita a trocar o cargo na lavanderia do hospital por uma vaga na sua área de formação. “De todos os cantos surgem vagas. Como eles [diretoria do HUM] dão prioridade para remanejamento interno, aqui, com a usina, eu tenho um caminho muito interessante”.

Seguindo a lógica dos cursos profissionalizantes, o curso de Técnico em Meio Ambiente prepara o aluno para rápida inserção no mercado de trabalho. Apto a coletar, armazenar e interpretar informações, dados e documentos ambientais, o técnico ambiental também poderá colaborar com a elaboração de laudos, relatórios e estudos; atuar na organização de programas de educação ambiental, conservação e preservação de recursos naturais, redução, reuso e reciclagem.

Em Maringá, o curso é oferecido desde 2005 no Colégio Estadual Juscelino Kubitschek de Oliveira, localizado na Zona 05, e já formou cerca de 300 profissionais em dez turmas. Segundo a coordenadora do curso, Luceide Eloísa Loubak, a cidade oferece grande campo para inserção dos recém formados. “Tanto pela destinação dos resíduos sólidos - que é um assunto muito discutido - quanto por outros aspectos como a arborização, contaminação de solo e fundos de vale. Maringá é uma cidade rica em meio ambiente”.

Situado numa área preservada de 2,5 alqueires, ao lado do Horto Florestal de Maringá e próximo a três reservas permanentes, o colégio é, na prática, um laboratório ambiental, o que facilita a aplicação do que é visto em sala de aula. O curso pode ser feito em dois anos – para quem já terminou o segundo grau – ou em quatro anos, com matérias específicas integradas ao ensino médio. Os formados saem com certificado de conclusão e registro como técnico no Conselho Regional de Química e no Conselho Regional de Engenharia Civil e o salário base gira em torno de R$ 1.200. A turma que começou este ano foi fechada com o limite de inscritos, 50 alunos, e teve lista de espera.

A boa fase do curso pode ter explicação na lei 16.346, publicada em janeiro do ano passado, que obriga as empresas potencialmente poluidoras do estado do Paraná, a contratarem responsável técnico em meio ambiente, seja colaborador interno ou serviços terceirizados. Consideram-se potencialmente poluidoras empresas que exerçam atividades como extração e tratamento de minerais, indústria de madeira, indústria de papel e celulose, indústria de material elétrico, eletrônico e comunicações, indústria mecânica, indústria metalúrgica, indústria química, dentre outras. Frente às demais graduações em gestão ambiental como o Bacharele a Tecnólogo, os cursos profissionalizantes se destacam por oferecer mão de obra mais barata.

Para Alisson Adamo Andrade, representante de uma empresa de consultoria ambiental com filial em Maringá, seja por força da legislação ou preocupação da empresa, os empresários da região começam a perceber o cuidado com o meio ambiente como uma forma saudável de aliar a marca da empresa a uma boa experiência para o consumidor. “Eles [empresários] começam investindo por obrigação, até porque tem muita cobrança. Bancos e financiadoras, por exemplo, exigem laudos ambientais específicos. Depois percebem ser um bom caminho para um brand marketing”. A inserção do meio ambiente na pauta das grandes empresas impulsiona a oferta de vagas no setor. “Estamos, inclusive, fechando a contratação de estagiários aqui na cidade”, completa Andrade.