quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Publicidade e conteúdo interagem na web

Consolidada como plataforma de informação, a internet ainda é um desafio para empresas de comunicação


Por qual veículo você acompanha as principais notícias durante o dia: impresso, TV ou internet? Você pode até não ficar on-line o dia todo, mas não pode negar a facilidade que a plataforma digital trouxe para a disseminação de conteúdo. É por esse motivo que os principais veículos de comunicação também se renderam à rede.

Se há algumas décadas, impresso e rádio procuravam se reformular com o surgimento da televisão, hoje a TV se junta ao grupo na tentativa de manter seu espaço. Em tempos de internet, o principal desafio não é dividir o público, mas fazer da web um meio lucrativo, que se sustente, como as demais mídias.

Seguindo a lógica da publicidade no rádio, impresso e televisão, a primeira alternativa foi dividir os espaços disponíveis da página na internet entre conteúdo e anúncios pagos. Porém, só visibilidade não é garantia de sucesso, como explica o especialista em Publicidade na Web Willy Dantas, 27. “O veículo só vai conseguir ter lucro muito maior se levar uma proposta diferenciada para o cliente, explorando o meio de um jeito novo."

Para Dantas, falta inovação na hora de utilizar a internet para ações de marketing, tanto para clientes como para o veículo. “O mercado não está atento a isso, ele [o mercado] não consegue enxergar a utilização do meio internet de forma criativa”, completa.

Segundo o gerente de marketing do Grupo O Diário, Wilson Teixeira, 24, é muito difícil traçar um plano de ação em longo prazo, quando o assunto é internet. “É tudo muito novo e muito misturado, mas é justamente nessa mistura que está o futuro. É você conseguir, com o veículo, integrar o impresso - as ações corpo a corpo que os veículos fazem como ativador social - ao on-line - aí sim a publicidade tradicional.”

Para Teixeira, a integração entre o ambiente on-line e o off-line deve ter como foco o público leitor. “Como é que [o veículo de comunicação] vai atingir todos os públicos? É oferecendo conteúdo em todas as plataformas. Então o futuro da internet é convergir ainda mais com os outros tipos de mídia off-line”, complementa.


*Reportagem publicida no jornal Matéria Prima, aqui.

*Mais reportagens


No Reviver: Kafka - Escrever é um sonho mais profundo que a morte

Dia 08 de novembro - Teatro Reviver
Idade Mínimia: 12 anos - Entrada Franca - 21hrs
Companhia Edson França Bueno e Cia Ltda.

O pequeno Franz Kafka vive em Praga, Tchecoslováquia e faz da cozinha da casa de sua mãe um refúgio secreto para uma imaginação fértil e um terrível medo da humanidade. Oprimido pelo pai, transforma a sua rotina diária de preconceitos contra o fato de ser judeu em imagens de grande força dramática. Kafka faz então da cozinha de sua mãe, uma espécie de portal para a vivência lúdica com os próprios protagonistas de sua fantasia de terror. Monstros, Animais e Seres Fantasmagóricos que representam poderes políticos, familiares e religiosos convivem, no silêncio da madrugada, com o menino.

Desta experiência dolorosa, mas original, nasce uma das mais importantes obras literárias do mundo. O texto é uma investigação livre, poética, mas comprometida, sobre os fantasmas (frutos de conhecimento, medo e inteligência, que fazem da literatura, um a obra artística, mas também dolorosa, porque retrata a sociedade pelos caminhos da sombra. O sentido do espetáculo é o de dar compreensão da criação artística, ao público. Ao mesmo tempo em que revela Franz Kafka um escritor fundamental teatral um material riquíssimo que permite a criação de um espetáculo de teatro vivo e moderno.

Os ingressos devem serão retirados com 1 hora de antecedência no Teatro Reviver (ao lado do cemitério).



O Sesi faz um trabalho muito interessate, não só trazendo peças para Maringá como apoiando eventos culturais e desenvolvendo projetos de especialização. Em breve o Núcleo de Dramaturgia já estará exibindo resultados e encenando textos que estão sendo trabalhados nos encontros. Se somarmos isso à expectativa que a cidade vive em torno da arte dramática, temos contexto para acreditar num (re)nascimento aqui nessa pronvíncia.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Palco giratório traz Agreste, de Newton Moreno

Dia 27 de outubro - Teatro Universitário da UEM
Idade Mínimia: 16 anos - Entrada Franca

Escrita por Newton Moreno, e baseada em reportagem verídica, Agreste é um drama de amor e pobreza no interior nordestino, narrado por dois contadores de história. É um vigoroso manifesto poético, uma fábula que trata ao mesmo tempo sobre intolerância, preconceito e amor incondicional.

“Desejar ser”, “ilusão”, “amar a gente” são alguns dos temas abordados na peça. Aborda também temas intensos que por séculos fazem parte do cotidiano como: amor incondicional, homoerotismo, preconceito social e ignorância. Podemos dizer que, sobretudo, o enredo da peça gira em torno da complexidade das relações humanas.

O texto de Newton Moreno tem uma estrutura aberta, mais de provocação do que naturalista. O texto da peça tem três grandes blocos. O primeiro é o tempo mítico. “Ele andava muito para encontrá-la.” Tudo é indeterminado. No segundo bloco, “naquele dia, naquela manhã...”, é o tempo focado. O terceiro é a condição psicofísica dos personagens. “O sol”, “muito tempo caminhando”.

Ao narrar a estória de um casal de lavradores nordestino, esse drama acaba por sutilmente despertar a reflexão para questões que ultrapassam as expectativas de uma estória amorosa. Sem dúvida, o amor é abordado. Mas não o amor utópico, nem tão pouco, o amor interessado ou o amor físico. Assim, questiona-se pontos do comportamento social como o preconceito, estereótipo e ignorância. Quando se pensa em um casal nordestino, tende-se a imaginar a estória de “Lampião e Maria Bonita” – ele cangaceiro, ela a bela moça de casa, juntos compartilhando a miséria do dia-a-dia e vivendo aventuras fantásticas. Mas o casal nordestino de Agreste se deu o direito de viver o que desejam ser e vão além do modelo “Lampião e Maria Bonita”. A incógnita da peça é: ilusão ou ignorância?

Mais do que analisar a complexidade das relações humanas, a peça trata do que pode ser considerado “o invisível”, aquilo que ninguém descreve ou explica, apenas sente.

O texto também é um convite a análise de comportamentos excessivamente conservadores e patriarcais de nossa sociedade. A relação heterossexual hipócrita ainda prevalece sobre uma relação homossexual franca. Ao mesmo tempo, a ignorância não é nem corrigida, nem perdoada.

A estória que se passa no meio da seca, e com uma narrativa nada conservadora, e como já citado, conta a história de um casal de lavradores simples, vizinhos, que descobre o amor e foge de sua terra, pressentindo que "algo" de perigoso paira sobre seu amor. Precisam encontrar outro lugar para poder viver seu amor.

A morte de um deles, porém, traz uma revelação surpreendente que muda o curso da história. A esposa vem a compreender o porquê, "nos depois", após a morte do marido. Essa mulher machucada pela perda, sem entender a dimensão de seus atos, acaba sendo vítima do horror e da intolerância.

Do site passeiweb.com

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Entre pastéis

Sexta é dia de feira, desculpa para comer um pastel na praça da igreja enquanto não começo o dia. E como todas as sextas, apanhei meu jornal na banca e falei com o Marcão pra liberar um de frango e um de carne para acompanhar o café preto que peguei na padaria. Antes de sentar vasculhei a carteira, alguns trocados já pagavam e deixava uma sobra para a mocinha do caixa.

Longe o bastante para não ser tocado, mas perto o suficiente para sentir o cheiro da fritura, ele olhava a barraca e o entra e sai de gente e pastel. O pretinho rondava. Seu olhar não era de medo, mas de uma coragem doída, sangrada, de pedra, de pó, de pé no chão. Sujo, magro e descuidado, encarava de baixo, como a criatura encara o criador.

Continua aqui.

Da série "[o homem] invisível".


terça-feira, 19 de outubro de 2010

Peça Cárcere em cartaz neste sábado


Como seria uma reflexão sobre liberdade através dos olhos de um presidiário? É o que mostra o espetáculo “Cárcere” escrito por Saulo Ribeiro e interpretado por Vinicius Piedade. A peça se baseia no diário escrito por um prisioneiro, que vive em contagem regressiva para uma rebelião iminente do qual ele será o refém. A apresentação será nesse sábado, dia 23, no Auditório Campus Dois da Unifamma. Os ingressos serão vendidos no local e custam R$ 24, estudantes pagam meia.*

A peça está sendo produzida pelo meu companheiro de Núcleo de Dramaturgia Thiago Fontoura. Vale a pena dar uma conferida.



*Nota de cultura para o Jornal da Ruc 94,3 FM, de 21/10

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Singularidade uniforme ou Carta para ler antes do suicídio

Fujo de festas. Qualquer lugar aonde muita gente escolha ir me dá raiva. A unanimidade leva a um vazio e vazio eu já encontrei. Embalaram a cultura pra consumo e criaram rótulos para que você estampe em sua testa um atestado de inutilidade.

Eles querem te vender, você virou número, João, não precisa mais pensar.

Cansei de ouvir sobre política e dessa mania ridícula de tentar convencer os outros. Dá nojo a forma como as consciências se vendem para fazer parte de um grupo. Mentes prostitutas que demonizam adversários e supervalorizam besteiras. Pra quê, João? Só pra se convencerem que estão do lado certo.

Eu descobri que não há lado certo senão o de dentro, João. Você ficou invisível.

Nem na religião, aquele amontoado de aves-marias que se arrastam em promessas para terem a quem louvar. Mendigos de barriga cheia. Vomitam valores enquanto nadam na hipocrisia dos seus atos. Fazem o errado sob o pretexto de pecador, se humilham por não serem fortes, mas nunca saem da sombra da mediocridade religiosa. Essa porra de libertação é confinamento psicológico, João.

Ali também não é lugar limpo, João, sinto muito.

Você acha que conhece o mundo e tira suas próprias conclusões? Parabéns, João, conseguiu ser mais um. Mais um que acorda com abstinência de informação, vício de dominar tudo o que acontece. Na pressa de entender, se vende ao jogo, e eles vão fundo na capacidade de te idiotizar. Você é o robozinho deles, João, sinta-se feliz. Mas saiba, você tem data de validade.

Há quanto tempo você não cumprimenta um velhinho? Não abraça um velhinho? Não joga conversa fora com um velhinho? Tá entendendo o que eu to falando, João?

Se você acha que tem gosto próprio. Acredita que tem opinião. Pensa que seu sonho é singular. Olha para o espelho e acha que é único. Você é o que eles querem que seja. Você quer ser o que eles querem que seja. Fuja desse labirinto, João. Fuja do rebanho.

sábado, 16 de outubro de 2010

E-book, a nova plataforma literária*

Como os livros digitais estão redimensionando o mercado e reformulando o modo de fazer literatura em tempos de internet

São acessíveis, não ocupam espaço na bolsa, não agridem o meio ambiente e nem provocam reações alérgicas quando velhos. Popularmente conhecidos como e-books, os livros digitais apresentam vantagens que estão conquistando leitores, transformando o modo de fazer literatura e trazendo uma interrogação para o futuro da criação literária: os livros impressos vão acabar?

Segundo o site Exame.com, em países como Estados Unidos a venda de e-books já representa cerca de 4% do comércio de livros pela internet e a expectativa é que essa quantia triplique até 2015. Essa evolução se dá, principalmente, à guerra tecnológica na criação e desenvolvimento de leitores digitais. E-readers como o Kindle, da Amazon e tablets como o Ipad, da Apple, já oferecem condições de leitura próximas às de um livro comum e preço acessível para o mercado norte-americano.

Para Cristóvão Tezza, doutor em Literatura Brasileira e um dos principais escritores da atualidade, a tecnologia criou novos modos de escrita, mas não vai mudar as formas de manifestação literária. “A internet é uma [ferramenta] prática do mundo, vem para somar e não para substituir o impresso.” O escritor premiado com o Jabuti de melhor romance, esteve em Maringá no último dia 23, a convite do Sesc, quando falou sobre tecnologia e leitura no cotidiano. Segundo ele, a literatura se transforma através do tempo segundo os meios de produção e disseminação disponíveis. “Quem que, hoje em dia, escreve uma carta ou um telegrama? Antigamente a carta era até um gênero literário e grandes livros saíram de troca de correspondências”, lembra.

As cartas viraram e-mails e os diários foram substituídos pelos chamados blogs - espaços livres e gratuitos para quem quer publicar na internet. Essa possibilidade permite o aparecimento de novos escritores que não precisam de muito para produzir um livro digital, uma consulta rápida em qualquer site de pesquisas indica diversos programas para criação de e-books. Feito isso, o resto fica por conta da divulgação e distribuição, que no ambiente on-line não tem limites.

Apesar de uma possível ameaça, Cristóvão Tezza diz acreditar que “essa variedade não afrouxa os critérios de aceitação, mas cria prestígio de qualidade”. Para o escritor, os efeitos de uma circulação máxima de literatura compensam qualquer prejuízo com a pirataria. “É um caminho fantástico”, completa.

Entre os leitores brasileiros, a novidade ainda encontra resistência. “Eu gosto do papel para folhear, amassar, sujar de gordura. Prefiro aquele livro que eu posso guardar na estante e usar como troféu”, afirma Vinicius Toná, 20, estudante de Análise e Desenvolvimento de Sistemas. Segundo ele, a única vez que comprou um e-book, foi por engano. “Eu finalizei a compra pela internet e fiquei esperando chegar em casa. Quando vi, chegou um e-mail avisando que o download já estava liberado.”

Já a estudante de jornalismo Ana Luiza Verzola, 19, é a favor e gosta de ter acesso a livros digitais. “No caso dos e-books meu interesse surgiu mais com a leitura de monografias que tinha para baixar no site da instituição e, com isso, veio a oportunidade de ler também outras produções.” Ana destaca a possibilidade de acompanhar o trabalho de escritores regionais. “Até agora o material que li foi de Maringá, o livro de crônicas que o Wilame [Prado] lançou, ‘Charlene Flanders, que voava em seu guarda-chuva roxo, mudou minha vida’; do Antonio Roberto de Paula [O jornal do Bispo] e, recentemente, o e-book Contos Maringaenses, que reúne várias obras produzidas aqui e falando daqui.”

No Brasil o comércio de e-books ainda é tímido e o cenário é de adaptação. Entre os motivos do atraso estão a falta de apoio de editoras, acervo reduzido de obras digitalizadas e alto custo para compra de leitores digitais, que facilitam a leitura. Para o escritor Cristóvão Tezza o contato com o livro físico é muito importante. “É claro que o livro impresso nunca vai morrer. Há formas de reconfigurar o uso dele”, define. Impresso ou digital, é de consenso que o contato com a literatura é sempre uma experiência positiva.

*Reportagem publicada no jornal Matéria Prima, aqui.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Rei Davi Dá-nome-às-coisas*

Davi foi dado pela mãe. Depois de trocado por um litro de cachaça, o piázinho da praça viu que naquele mundo de adjetivos e abstratos não conseguiria ficar muito tempo, resolveu criar o seu. Para fugir de homens e trocados, caminhava pela madrugada criando palavras soltas e significados mágicos, tornou-se Rei.

Senão o próprio, que outro sentido poderia ter a vida? Família, Amigos e Trabalho eram palavras vazias, como Sorte. Para reverberar sentimentos, fazia amizades com postes, alambrados e caixas de papelão. Conversava. Em seu mundo as palavras não precisavam de som para ser escutadas.

E era ouvido.

Regava placas. Admirava as cores que elas tinham e como se mantinham vivas por tanto tempo. Abraçava os bancos. Sorria para garota do outdoor e ela sorria de volta. Encantava-se com o balé de carros, em sincronia perfeita, todo dia. Como é bonita a capacidade de serem sempre a mesma coisa!

Rei Davi não tinha preconceitos. Não sabia o que era isso. Não tinha partido, nem oposição. Não conservava valores, nem morais, nem costumes, nem passado ou futuro. Não conjugava verbos. Não contava seus dias. Não precisava sorrir para manter as aparências, mas sorria, sem se importar com a aparência que isso tinha.

E era invisível.

Ia à missa sem camisa. Ao culto sem a bíblia. Puxava o carrinho para dentro do shopping. Torcia á porta do bar, não importava qual fosse o time. Dormia na segunda-feira e tomava banho na sexta. Comia fruta machucada no almoço. Quando tinha fruta e almoço. Quando não tinha, inventava uma para matar a fome. Em seu mundo, nada precisava acontecer para ser sentido.

Como o abraço das pessoas normais que correm para um lugar, todo dia, em todas as ruas. Sentia-o. Queria um dia descobrir para onde vão todas essas, com rostos fechados e tanta pressa. Quem sabe um lugar onde poderiam sorrir? Onde comiam fruta no almoço e abraçavam pessoas? Onde torciam sem preconceito e sorriam sem manter as aparências? Quem sabe seria um outro mundo.

E era louco.

*Da série de crônicas "[o homem] invisível".

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Senhorinha*

Não posso digerir aquela cena como mais uma do meu dia. De verdade, não queria ter visto seus olhinhos redondos, trêmulos e vermelhos acompanhando um misto de medo e vergonha. Vergonha de quê, senhorinha? Se a dor que te machuca é a mesma dos seus? Espero tê-la tirado de ti para carrega-la comigo, como estou sentindo agora.

Seu nome poderia ser bom dia, por que seu sorriso sempre me mostrou a pureza de cada manhã. Esperta e de sorriso fácil, vence o uniforme com um batom vermelho caprichado. Senhorinha dos bons dias, invisível, curvada sobre o zelo nos ladrilhos da escada, arrastando balde no corredor, passando o café como se fosse em casa.

Ah, senhorinha, pecado é o perfume que escolhes com cuidado se misturar com lavanda, eucalipto, floral. Eu nunca o senti, mais sei que usas, assim como sei que te curvas toda noite rezando por dias melhores. Melhores que este, pelo menos, que te vi atravessando o corredor com rostinho triste, brigando com os olhos para não chorar. Você, senhorinha, que já acalmou o choro dos que te chamam de mãe, dos que te chamam de vó.

Passar por você, sentar em minha cadeira, relaxar ao ar condicionado, sorrir ao telefone... tudo ficou difícil, errado, injusto. Gosto amargo como senti naquela noitinha que te vi escorregar nos degraus da escada que dá pra sala do chefe. Deu-me um aperto ver seu rosto preocupado em levantar rapidamente daquelas pedras úmidas – vou fazer uma cirurgia do olho – você me disse, como que se desculpando. Meu Deus! Não se desculpe senhorinha!


Desculpas devo eu e o mundo por não saber respeita-la no alto de sua sabedoria. Sabedoria de vida que os cinqüenta, sessenta ou setenta anos te deram e as marcas em seu rosto não me deixam mentir. As desculpas de um abraço sincero que eu não pude dar ao te ver passar no corredor. Um dia, espero, saberemos o valor que tem uma senhorinha.

Senti estar engolindo boldo ao te ver de volta, como novo sorriso no rosto, perguntando se queria mais café.

*Da série de crônicas "[o homem] invisível".

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Tudo igual*

Contexto: Mulher é traída pelo marido com a melhor amiga, depois de anos presa, consegue emprego num açougue e passa a morar junto com a amiga que a traiu.

Tudo igual. As peles gorduras penduradas dançando em embalagens com marcas e certificados de qualidade estampados em sorrisos amarelados de fim de festa como encontros de família são. Mortas, estão as pelancas bailando ao som de Amado Batista enquanto você se preocupa com a criançada correndo pelo seu jardim de nomes que florescem e te cumprimentam esperando um mesmo sorriso amarelo para que possam dançar de novo. Maminha e primas cheirando a leite com shortinhos de um palmo correndo ao redor da piscina para que ele veja. Todos iguais são eles procurando por coxas enquanto elas se oferecem para serem comida ou mesmo que seja lambida por cachorros no final do churrasco. Ponta de peito carne de pescoço me lembram minha tia que insistia em usar branco mesmo no velório dele. Ela dizia que formávamos um belo casal.

Tudo igual. Os corpos estirados no quadrado úmido gritando por espaço enquanto se chicoteiam entre costelas e o cheiro de ralo que gruda no nariz e no cabelo daquelas infelizes que estão pagando sua pena enquanto galinhas têm o dia todo de banho de sol. Coxão mole incendiário. As grades de ferro ou de vidro são vitrines de uma necessidade humana de buscar culpados para encher o bucho e sentir saciar a fome de justiça de um povo que poderia estar lá como as que se penduram bailando sobre o cheiro do ralo e o frio que garante que ainda podemos ser consumidas. Depois de anos na câmara fria da moral a gente encontra os mesmos sorrisos e pelancas de antes agora mais amarelos e aquelas fraldinhas serelepes já viraram comida de festinha.

Tudo igual. Os que vêm de bermuda e chinelo de dedo com camisas de time de futebol e latinha na mão pedindo pra ver suas melhores partes dizendo que querem comer o que tiver de melhor. Peito coxa cheiro de sangue por todo lado. Em casa tenho carne pronta para deslizar a faca bem afiada por entre os músculos que se separam como a amizade que não resiste a uma boa comida. Língua bem servida com miúdos cozidos em panela de pressão e cheiro de sangue por todo lado. Acho que vou assar a picanha que ele gostava de comer na nossa cama.

Pra conseguir o emprego só me perguntaram se eu tinha experiência com faca, carne e sangue.

*Monólogo de exercício do Núcleo de Dramaturgia Maringá.