terça-feira, 5 de outubro de 2010

Tudo igual*

Contexto: Mulher é traída pelo marido com a melhor amiga, depois de anos presa, consegue emprego num açougue e passa a morar junto com a amiga que a traiu.

Tudo igual. As peles gorduras penduradas dançando em embalagens com marcas e certificados de qualidade estampados em sorrisos amarelados de fim de festa como encontros de família são. Mortas, estão as pelancas bailando ao som de Amado Batista enquanto você se preocupa com a criançada correndo pelo seu jardim de nomes que florescem e te cumprimentam esperando um mesmo sorriso amarelo para que possam dançar de novo. Maminha e primas cheirando a leite com shortinhos de um palmo correndo ao redor da piscina para que ele veja. Todos iguais são eles procurando por coxas enquanto elas se oferecem para serem comida ou mesmo que seja lambida por cachorros no final do churrasco. Ponta de peito carne de pescoço me lembram minha tia que insistia em usar branco mesmo no velório dele. Ela dizia que formávamos um belo casal.

Tudo igual. Os corpos estirados no quadrado úmido gritando por espaço enquanto se chicoteiam entre costelas e o cheiro de ralo que gruda no nariz e no cabelo daquelas infelizes que estão pagando sua pena enquanto galinhas têm o dia todo de banho de sol. Coxão mole incendiário. As grades de ferro ou de vidro são vitrines de uma necessidade humana de buscar culpados para encher o bucho e sentir saciar a fome de justiça de um povo que poderia estar lá como as que se penduram bailando sobre o cheiro do ralo e o frio que garante que ainda podemos ser consumidas. Depois de anos na câmara fria da moral a gente encontra os mesmos sorrisos e pelancas de antes agora mais amarelos e aquelas fraldinhas serelepes já viraram comida de festinha.

Tudo igual. Os que vêm de bermuda e chinelo de dedo com camisas de time de futebol e latinha na mão pedindo pra ver suas melhores partes dizendo que querem comer o que tiver de melhor. Peito coxa cheiro de sangue por todo lado. Em casa tenho carne pronta para deslizar a faca bem afiada por entre os músculos que se separam como a amizade que não resiste a uma boa comida. Língua bem servida com miúdos cozidos em panela de pressão e cheiro de sangue por todo lado. Acho que vou assar a picanha que ele gostava de comer na nossa cama.

Pra conseguir o emprego só me perguntaram se eu tinha experiência com faca, carne e sangue.

*Monólogo de exercício do Núcleo de Dramaturgia Maringá.

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