sábado, 7 de maio de 2011

Sobre amor e uma música do Engenheiros

Todo sábado, quando o ponteiro de horas chega no nove, a atendente simpática prepara a bandeja com dois cafés e um jornal do dia. Na melhor mesa da lanchonete ele senta sozinho, mas faz questão de que a cadeira frente á sua permanecesse intacta, assim como o café pedido para ela. Com o tempo, todos aprenderam a não contrariá-lo.

Mastigando as más notícias de uma manhã como qualquer outra e imerso nas risadas e conversas que vinham de todos os cantos, ajeita os óculos de aro grosso e, com certa dificuldade, leva o guardanapo à gota que manchava a gola pólo. Devolve o jornal ao ineditismo e, pela primeira vez no dia, desvia os olhos para o balcão.

Ao fazer daqueles costumes rotina dos outros, ganhava forma uma estatura de mármore, gentil e passiva aos dissabores e contratempos da lanchonete. Não respondia piadas, não pedia favores. Só ele e o vazio de uma cadeira a lhe fazer companhia.

Mas dessa vez, nesse sábado como qualquer outro, quando terminou seu café como sempre terminava, olhou para a porta e não para o balcão. E da porta onde todos saiam a todo o momento, viu entrar uma bela garota. Uma bela garota de franja castanha que quase lhe cobria os olhos. Olhos que ele já tinha visto em um dos seus livros preferidos.

Ela sentou-se ao balcão, pediu um suco qualquer e ele, como nunca tinha feito, perseguia seus lábios decifrando palavra por palavra. Conhecia o jeito com que arrumava o cabelo e a forma que balança os pés suspensos. Previa seus gestos e o que faria no próximo segundo. Mesmo longe, ouvia sua voz. Conhecia de uma das suas músicas preferidas.

E quando ela terminou o suco e, com cuidado, ajeitou o vestido para se retirar, ele sentiu bater no peito uma angústia que nunca havia sentido. Sentiu percorrer o corpo uma inquietação que parecia não ser sua. Tremia, ofegava. Antes que aquilo o consumisse, colocou todas as forças nos braços para que a cadeira de rodas andasse. Uma força que não tinha. Abandonou a mesa e venceu metro por metro. Queria correr e alcança-la, queria dizer o que tinha ensaiado todo esse tempo. Queria dizer onde esteve todo esse tempo. Mas ela chegou à porta e sua única alternativa foi gritar. Um grito doído, monossilábico. O único som que a paralisia que adquirira quando criança o deixava emitir.

E naquele momento ela parou, os atendentes pararam de atender, os lavadores pararam de lavar e os amigos interromperam suas conversas. Aos poucos o silêncio virou plateia de um cadeirante paralítico que se arrastava até a porta. Eles viam seus braços tremendo de esforço. Eles viam sua boca ensaiando murmúrios. Eles viam um braço esticado para alguém invisível.

Mas para ele, ela estava lá. Linda com aquele sorriso que lia nos livros. Aqueles olhos traduzidos em literatura. Seu vestidinho rodado e a franja que fazia dela a personificação da sua poesia preferida. Tão próximos como nunca haviam estado, esticou seu braço e, nas mãos, o bilhete que guardou por tanto tempo: “Quer tomar café comigo?”.

"Tudo bem... Até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento
Muito prazer... Ao seu dispor
Se for por amor às causas perdidas
Por amor às causas perdidas"

2 comentários:

  1. Quantos detalhes, confesso que estou surpreso.. meio triste neh, mas nem sempre as histórias são felizes.. parabens gustavo xD

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