terça-feira, 20 de setembro de 2011

Brevidades*



Pra começar, a tela branca te encara questionando sua habilidade. O cursor pisca gritando que não saiu do lugar. Formata para a letra que mais te agrada. Respira. A cadeira não está confortável e nesse momento: nada, pode, te atrapalhar.  Acomoda-se e respira de novo, tirando as mãos do teclado. Precisa de uma poltrona. As Casas Bahia estão com uma promoção... Concentra! Olha, o quadro está torto. Volta para a tela. Precisa de um café. Estica as pernas até a cozinha. Volta com a caneca manchada, o vapor cheiroso e a espuminha dourada. Arruma o quadro, senta na cadeira que não é poltrona, olha para os gritos do cursor na tela branca e respira no vapor do café. Pra começar...

--

Ela não sorri mais. Só olha pra baixo e parece com medo. “Infarto é muito comum, acontece com todo mundo”, foi o que eu disse, não sei se ajudou muito. Acho que faltou um abraço, mas não dá pra fazer isso aqui na empresa. Ela nem riu da piada do computador. Ajudou na vaquinha, mas não tomou coca-cola. Beliscou um pouco do salgadinho. Às vezes ela fica mais de quinze minutos no banheiro, deve estar chorando. Perder o pai assim também, né? É tenso. Nem sei o que eu faria se perdesse o meu. Ela tá bem pra baixo, eles deveriam ver isso, dar uma folga, sei lá. Não que ela fosse animada, mas ria de algumas piadas. Não gostava dela, mas agora to sentindo uma pena. Vou ligar para o meu pai hoje à noite.

--

E disse a empregada à patroa enquanto casavam as apostas:
- Ai mais se nóis ganha eu vo dá um churrascão, e vo compra uninho vermelho pra minha menina
- O que você vai querer com um uno vermelho, Val? Nós vamos ser milionárias!
- É verdade! Vo compra um amarelo tamém.

--

Foi sem querer, mas eu percebi quando ela olhou. Porque eu fui tropeçar no corredor? O pior foi o cara de bobo. Deixa pra lá, fiquei sabendo que ela curte Bob Dylan e toca violão. Não é muito comum achar alguém assim hoje em dia. Ontem ouvi ela cantarolando um pedaço de Blowing in the Wind. É meio melosa, mas eu gosto. E ela falou da lua quando eu tava olhando. Também gosto de admirar a lua. Daqui dá pra ver como ela fica linda quando escurece. O laranja perto dos prédios e o anil tingindo aos poucos o que era dia. Interessante como de um tempo pra cá vem ficando mais bonito. Porque eu to tremendo?  


--

*Brevidades é uma reunião de microcontos, recortes crônicos de poucas linhas.

**Adams Carvalho trabalha com ilustrações, animações e pinturas. Conheça mais do brilhante trabalho desse artista plástico no seu blog. Clique aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário