quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Por que o rebanho precisa de democracia?*

Como Nietzsche, Big Brother e Charlie Chaplin se misturam para explicar a educação política dos brasileiros

Quantas vezes você já se pegou repetindo uma manchete do Jornal Nacional? Ou defendendo um candidato como se fosse seu time do coração? Você pode até ser um daqueles que diz não gostar de política, mas já está se vendo obrigado a escolher um dentre os tantos rostos que aparecem no horário eleitoral. E agora, vai começar a pensar ou vai deixar que os outros – mídia, igreja, pais, amigos – pensem por você?

No mundo que é vontade de poder, interpretar é sempre doar um sentido novo, já que nenhuma interpretação esgota em si todo o sentido e nenhum sentido possibilita que uma interpretação possa ser reconhecida como completa e absoluta. A interpretação reconhece que é uma hipótese, derivada de uma determinada vontade de poder – e não a verdade. Portanto, todo discurso é resultado da interpretação de um determinado indivíduo ou instituição e, como não poderia deixar de ser, reúne as intenções e ideologia de tal.

Porém, num Brasil de brasileiros que não sabem pensar – e quando tentam são interrompidos por futebol, Big Brother e as Helenas de Manuel Carlos – a interpretação como exercício pessoal vira lenda. A influência social forma o posicionamento do indivíduo e a justificativa de uma postura política – para se dispor acima do moralismo – se torna volúvel. Os sujeitos que praticam a “democracia” são regrados por um instinto instantâneo que cultiva todos os chavões e clichês de natureza social.

Em qualquer conversa sobre política as justificativas e argumentações são puramente efusivas e inflamam sem nenhum ponto de apoio. É a situação dos brasileiros que se montam sobre rótulos e se ofuscam sob os ícones vazios que idolatram, em meio à rede de verdades absolutas que impõem o certo e o errado, como se o senso fosse a religião a ser seguida.

Mas, para que essa gente possa carregar uma bandeira e defender à base de dentadas os candidatos, partidos e coligações, é necessário um ser que introduza no repertório social todas as discussões e “abobrinhas”. Essa instituição quase divina funciona como uma muleta psicológica das massas: a mídia.

Discurso imparcial é besteira, tratamento isonômico é furada e compromisso com a verdade é texto para inglês ver. Juntemos tudo isso às promessas de campanha e entreguemos ao seo João para repetir no boteco enquanto joga truco. Se todo discurso é interpretação e toda interpretação é pessoal, façamos a nossa ou fiquemos sempre reproduzindo a dos outros, como um amplificador sem cérebro. É a automação popular.

E o pior é que hoje está tudo igual, não existe mais direita conservadora ou esquerda radicalista para o indivíduo estabelecer um posicionamento. A candidata desprovida de beleza faz botox e o candidato carrancudo aparece sorrindo na capa da revista para conquista o voto pela simpatia. Tanto um quanto outro – e tantos mais – são bonecos embalados para compra, produzidos por um punhado de marqueteiros – os ventríloquos da história – que só fazem classificar a expressão das necessidades de uma comunidade – um rebanho, como Nietzsche chama – e traduzi-la da forma mais convincente possível.

Então, como deixar o destino do país nas mãos de eleitores que não sabem – ou não querem – refletir sobre o que é transmitido no jornal ou na propaganda eleitoral “gratuita”? É o rebanho de brasileiros que se orgulha de exercer a democracia só porque aperta meia dúzia de botõezinhos a cada quatro anos e ainda diz que política é lugar de bandido.

Essa congregação de “ave-marias” cativa pela facilidade de raciocínio: quando existem vários caminhos para um mesmo objetivo, enxerga aquilo que lhe é conveniente e o resto se torna opaco. Essa interpretação pessoal, que hoje é lenda, deveria ser um processo contínuo de confronto de discursos para a reordenação de sentidos de acordo com a vontade do próprio indivíduo. É pensar sem a sombra de um discurso pré-estabelecido.

Mas enquanto essa educação política do brasileiro é utopia, ganham ainda mais força as palavras de Charlie Chaplin: “Amo o público, mas não o admiro. Como indivíduos sim. Mas como multidão, não passa de um monstro sem cabeça”.

*Artigo publicado no jornal Matéria Prima, aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário