quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Modo Piauí de (re)fazer o jornalismo*

Revista mensal esquece lead, pirâmide invertida e deadline para reinventar a abordagem da notícia em tempos de internet

Quem está habituado a ler jornais e revistas de conteúdo informativo, já reconhece a estrutura de texto que condiciona o relato jornalístico. A resposta para as perguntas básicas sobre o assunto já nos primeiros parágrafos, acompanhada do desenvolvimento, posicionamento das fontes e a ausência de conclusão compõem o texto convencionado como jornalístico.

Porém, quem abre a revista mensal Piauí encontra reportagens que começam com: “O primeiro bocejo foi do ministro José Antonio Dias Toffoli. Com as mãos em concha, sobre a boca.” e consegue acompanhar, durante todo o texto, detalhes subjetivos que emprestam significados a diferentes cenários, como o Supremo Tribunal Federal, do qual pertence o trecho acima.

A grande diferença não é, necessariamente, o texto propriamente dito, ou a capacidade dos jornalistas que o fazem, e sim o modo de pensar e produzir o jornalismo. Numa época em que impresso, tevê e rádio buscam competir com a agilidade da internet – e por isso veem seus lugares ameaçados pela nova mídia – a Piauí aposta numa análise detalhada para descrição do contexto, como afirma o documentarista e diretor da revista, João Moreira Salles, em entrevista à CBN. “A internet te dá o dia. Já a revista te dá a época em que aquilo ocorreu.”

Ao acompanhar uma reportagem, como a produzida pelo jornalista Luiz Maklof para a edição de agosto deste ano, é possível perceber que há o esforço do jornalista no sentido de transmitir ao leitor a real sensação do cenário que ele percebe - enquanto observador atento, sem a necessidade de discurso breve e conciso. Para preparar essa reportagem, Maklof mudou-se para Brasília e acompanhou por seis meses, todos os dias e personagens do Supremo Tribunal Federal. As despesas foram pagas pela revista e Maklof não trabalhou em nenhum outro texto durante esse período.

Competir com a internet, mantendo os textos estruturados e – até certo ponto – preguiçosos, já se provou não ser uma boa alternativa. Com a explosão da internet, jornais diários de distribuição nacional diminuíram consideravelmente a tiragem, enquanto revistas como a inglesa The Economist, ultrapassaram a barreira de um milhão de exemplares - mesmo sem nunca dar um furo de reportagem - por possuir um texto de análise, ou, como diz o diretor da Piauí à CBN, “uma análise inteligente”.

Produzir um relato sustentado apenas por técnicas de construção textual é trabalho mecânico e, como disse o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, não obriga a necessidade de diploma. Despertar a necessidade de um jornalismo mais esforçado e, por que não, criativo, pode ser uma estratégia que valorize a função do jornalista e os profissionais realmente capacitados.

Mas, para que o jornalista ofereça um empenho maior na produção da notícia é fundamental a reformulação das condições de trabalho garantidas pelos empregadores, como o número compatível de funcionários para a quantidade de noticia produzida e adequação salarial, que não obrigue ao jornalista procurar uma outra ocupação no contra-turno. Mas, como isso envolve investimento, fica para segundo plano.

A lógica é simples: qual é o produto de um meio de comunicação? Se for a informação, forneça as condições básicas para que o resultado final seja o melhor possível, agradando leitores, aumentando a tiragem e, assim, o número de anunciantes. Agora, se o objetivo é manter a publicidade, pra quê se preocupar com a informação, não é mesmo?

*Crítica de mídia publicada no jornal Matéria Prima, em 14 de setembro de 2010.

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